sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Repetir, só dando um passo à frente

Palavras-chave: Fundamentos psico-pedagógicos. Construção de exercícios. Memória. Reflexo condicionado. Processamento da informação. Perícia e habilidade.


Reporto-me ao comentário de Arlindo Lopes Corrêa, em 15.1.2010, no post “Lesões e receitas de treinamento no voleibol”. Destaco sua mensagem final: (...) “O treinamento deve ser diversificado ao máximo, evitando a monotonia, o tédio e explorando novas possibilidades, novas técnicas. (...) sou favorável a que os atletas tenham experiências variadas, culturais e intelectuais, fora do voleibol, pois isso vai contribuir para uma cosmovisão útil em qualquer situação de vida, dentro e fora da quadra. Repetir, só dando um passo à frente, sempre! E isso não é mais repetir... É evoluir”.
Esta última observação chamou-me deveras a atenção pelo seu valor e alcance psicológico, pois se enquadra perfeitamente na teoria dos reflexos condicionados. Procurarei neste espaço contribuir para um exame mais profundo para aqueles que pretendem compreender o alcance da questão título deste post. Dadas às circunstâncias variadas porque passam os treinandos ao longo de suas vidas, seus interesses e emoções, estarei aqui analisando somente os aspectos psicológicos inerentes que comporão as decisões do pedagogo (ou treinador), além de acentuar a importância da memória humana na atividade desportiva, tão desprestigiada por muitos.
Memória. A memória ajuda a definir quem somos. Na verdade, nada é mais essencial para a identidade de uma pessoa do que o conjunto de experiências armazenadas em sua mente. E a facilidade com que ela acessa esse arquivo é vital para que possa interpretar o que está à sua volta e tomar decisões. Testes podem mostrar a qualquer um que memorizar pode significar essencialmente duas coisas diferentes: ou isso é uma simples decoreba da reação ou trilhamento do caminho ou o estabelecimento de uma ligação sempre nova entre o que já foi decorado e o que ainda cabe decorar.
A natureza psicológica da memória. Quando se fala em memória no sentido da palavra amplamente empregada temos em vista dois processos inteiramente diversos. A velha psicologia já distinguia duas espécies de memória: a memória mecânica e a lógica ou associativa. Com toda razão os psicólogos assemelhavam esse processo a uma trilha de caminho e falavam do trilhamento dos caminhos como fundamento para a acumulação da experiência individual. Toda soma de habilidades individuais, hábitos, movimentos e reações de que dispomos não passa de resultado desse trilhamento. Um movimento muitas vezes repetido como que deixa vestígios no sistema nervoso e atenua a passagem de novas excitações pelos mesmos caminhos. Outra forma de memória é a chamada memória associativa, ou da associação de absolutamente todos os movimentos. Por associação entende-se um vínculo de reações no qual o surgimento de uma delas acarreta necessariamente o surgimento de outra. Na sua forma mais simples, a teoria das associações antecipou a teoria dos reflexos condicionados que, no fundo, é um caso particular e uma modalidade de associação. Seria correto considerar o reflexo condicionado como um caso de associação incompleta em que o vínculo se fecha inteiramente não entre duas reações, mas entre o estímulo de uma reação e a parte responsiva da outra. A velha psicologia sabia que o estabelecimento de uma associação depende da experiência e que a associação não significava outra coisa a não ser um vínculo nervoso de reações que se estabelecem à base de uma ligação dada na experiência. Dessa forma, a velha psicologia também sabia que toda a riqueza do comportamento individual surge da experiência.
Processamento de informação. Em psicologia, é justo afirmar que a abordagem do processamento de informação fornece uma linguagem para a construção de “modelos” de áreas específicas da atividade humana (explica como resolvemos os problemas matemáticos, p.ex.). Houve uma mudança da descrição da atividade humana de uma expressa em termos de respostas a estímulos para explicações que falam de ações mais ou menos habilidosas e dirigidas a determinados objetivos.
Teoria do processamento de informação. Expressa os “objetivos”, a “atenção” e o “controle” e nos convida a conceber o comportamento como algo dotado de um “propósito”. O “mesmo” objetivo pode ser alcançado por diferentes meios. Adapto os meios aos fins, na situação em que me encontro, de um modo que reflete minha interpretação da situação na qual me encontro, e isto exige um controle contínuo, muito embora eu não tenha necessariamente a consciência de que estou exercendo um controle o tempo todo. Essa teoria levou ao desenvolvimento de conceitos como os de “planos”, “habilidades” e “estratégias”, bem como o de ”perícia”.
Perícia. Usado na psicologia em referência à atividade mental. O termo “habilidade” normalmente é empregado para expressar a qualidade de um comportamento manifesto (habilidade no futebol, num arremesso no basquete…). Ambos têm elementos comuns, tendo a ver com controle do tempo, autocontrole, detecção de erros e organização. Chama-se a atenção ao fato de que o conhecimento e a ação, ou os conceitos e procedimentos, são dois aspectos de UM ÚNICO processo. Se compararmos o desempenho de um perito com o de um iniciante, p.ex., revela não somente diferenças de rapidez, fluidez e precisão nas ações, mas também na estrutura da percepção, memória e operações mentais dos envolvidos. A partir deste ponto de vista, os atos de aprender a aprender, pensar e comunicar-se são explicados em função da aquisição de diversos tipos de perícia. Os peritos numa disciplina, jogo, esporte, arte ou qualquer outra coisa são capazes de perceber e memorizar, de maneira mais precisa e completa que o não-perito, qualquer fenômeno pertinente a sua área de perícia. Na medida em que somos peritos em realizar nossas intenções numa situação que “se presta” à consecução de nossos objetivos, geralmente temos um bom desempenho. Somos capazes de pensar e agir de modo relativamente rápido, desembaraçado e preciso. Por isso, temos também maior probabilidade que o novato de perceber quaisquer desvios em relação às nossas expectativas. A perícia estrutura o processo de percepção e memorização. Isso torna o pensamento e a ação rápidos, desembaraçados, precisos e sensíveis ao erro, à novidade e aos acontecimentos anormais.
Diante do exposto, como deverá o professor (treinador) conduzir-se em relação aos seus alunos ou atletas? Como e quando as crianças generalizam o que lhes é ensinado, aplicando-o a outros problemas?

(L. S. Vigotski, Psicologia pedagógica; D. Wood, Como as crianças pensam e aprendem)

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