sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Teoria vs. Prática

Volei vs. Volei"
Nunca é tardio para se elogiar e tirar ensinamentos de um trabalho consciente. Refiro-me aos estudos do Professor João Crisóstomo Marcondes Bojikian da Universidade Presbiteriana Mackenzie, publicado na Revista Mackenzie de Educação Física e Esporte – 2002, 1(1):117-124 sob o título Volei vs. Volei”, cuja íntegra pode ser vista em http://www.mackenzie.br/fileadmin/Graduacao/CCBS/Cursos/Educacao_Fisica/REMEFE-1-1-2002/art10_edfis1n1.pdf117 Palavras-chave: Voleibol; Aprendizagem Motora; Habilidade Motora; Repertório Motor; Aperfeiçoamento Técnico.


Vejam o resumo de nosso diálogo.
João Crisóstomo. Estuda-se na literatura possíveis relações entre a especialização unilateral precoce e a qualidade final da performance. Sugerem-se possíveis relações entre vivências motoras variadas na infância – utilizadas como formação de memória motora ampla e variada – com a capacidade de aperfeiçoamento técnico voleibolista da idade adulta. As fontes atestam que a prática do voleibol de alto rendimento necessita de um repertório de recursos técnicos somente possível para atletas que possuem memória motora compatível. Isto levanta a hipótese de que o voleibol praticado na infância de forma sistematizada visando à formação de futuros atletas para a modalidade, na verdade, atua como fator limitante para o desempenho de voleibolistas adultos.

Roberto Pimentel
Formação. Sou um ex-atleta, professor e técnico diplomado pela antiga ENEF, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro. Durante muito tempo venho me dedicando a descobrir uma metodologia que favoreça a aprendizagem motora necessária ao ensino esportivo, especificamente o voleibol. Durante anos ouvi de professores e treinadores de voleibol que se o indivíduo não aprendesse o esporte em criança, não aprenderia jamais na fase adulta. Felizmente, no meu caso a coisa não aconteceu assim, muito pelo contrário, como poderão ver no relato que fiz recentemente àquele professor.
Infância. Finalmente encontrei alguém que descreve o que sempre imaginei tenha acontecido comigo. Um menino niteroiense pobre, descalço pelas ruas ainda de terra, chutava qualquer tipo de bola (de borracha, de meia), aprendi a nadar com meus irmãos mais velhos que me deixavam no mar distante da areia, cedo jogava xadrez e basquete. Com minha irmã, iniciei os primeiros toques no voleibol (que nunca esqueci), e brincava com os mais novos em competições de “quem sobe mais rápido nas seis árvores frondosas da praça”. Pegávamos mangas, goiabas, genipapos, sempre trepando nas árvores. Pescávamos siris e peixes em abundância. Para tal, recolhíamos no lixo do Mercado de Peixe as necessárias iscas – guelras, baratinhas da praia, minhocas, desentocadas debaixo de grandes pedras na praia. Sem falar das brincadeiras com dezenas de crianças, de bola de gude, cafifa (pipa), pular corda e a escambida, que talvez não tenham conhecimento. Nos arremessos, que fazia sempre com o braço esquerdo (não sou canhoto), era invejável minha pontaria. Sem falar na bicicleta, minhas pernas e companheira por muitos e muitos anos.
Juventude. O estudo acima referido se ajusta a tudo que fiz na infância. Competitivamente, joguei somente o basquete aos 11 anos de idade. Nesta mesma época, na escola, participei dos Jogos Infantis uma promoção do Jornal dos Sports, no Rio de Janeiro. Só voltei a tornar-me um atleta federado aos 18 anos. Então, passei a treinar o voleibol que somente jogara intuitivamente no colégio sem qualquer treinamento por parte de professor. Neste ano (1958) disputei duas modalidades: basquete e voleibol, que se alternavam durante a semana. Tinha então, 18 anos. No ano seguinte, fui atuar no voleibol do Botafogo, no Rio. Resumindo, em 1962 estava convocado para a seleção brasileira que treinaria com vistas ao mundial da Rússia. Nos treinos coletivos fui considerado o melhor jogador daquele grupo. E, digo ainda de passagem, durante o período de 1959 a 1962, não disputei os campeonatos cariocas de 1ª divisão; somente o de aspirante, em 1960. Todavia, um pequeno grande detalhe me favoreceu: após o Mundial de 60 cuja fase final desenvolveu-se no Rio de Janeiro e em Niterói (minha cidade), passei a treinar solitariamente três vezes na semana, das 8h às 10h, durante aproximadamente três meses. Como sou autodidata, isto não me custou muito, pois criava os exercícios que achava conveniente para o meu desenvolvimento, inclusive, a atacar com ambos os braços. Atuar, somente na praia ou em clubes (coletivos, amistosos) e torneios avulsos. Aliás, minha convocação deu-se a partir de um dos torneios de Vôlei de Praia do Jornal dos Sports em Copacabana, no qual participavam todos os grandes atletas dos clubes cariocas, inclusive os de seleção brasileira. Foi quando passei a integrar essa elite com muita honra. Ia-me esquecendo, em 1961, por ocasião dos Jogos Universitários em Vitória (ES), fui “convocado” na viagem de ida, ainda no ônibus, para atuar na equipe de basquete (integrava somente a de voleibol). Fomos vice-campeões no basquete e por pouco não fui convocado para a Universíade daquele ano na Bulgária. No torneio de vôlei, uma grata surpresa, o elogio do técnico mineiro Adolfo Guilherme que, após o jogo, fez questão de me cumprimentar ainda na quadra e deixar o seu carinho e incentivo: “ Garoto, daqui pra frente SELEÇÃO”!
Busca de nova metodologia. Assim, fez-se em mim o que muitos anos mais tarde este estudo viria a demonstrar com bastante autoridade. Sempre procurei examinar o porquê de minha relativa competência, que instintivamente me levava a considerar os episódios múltiplos das memórias corporais que adquiri na infância. Agora tenho certeza que aquela intuição era o prenúncio da verdade. Por isso, advogo que ninguém aprende adequadamente um movimento, p.ex. da cortada, se siquer sabe arremessar um objeto. Então, passei a preconizar que as crianças aprendam brincando e que essas brincadeiras levem-nas a arremessar objetos, saltar e transpor obstáculos organizar-se em torno de um paraquedas, chutar bolas, esquivar-se de arremessos, agachar-se e progredir, rolar etc., tudo isso antes do jogo rígido. Deixo-as brincar de jogar voleibol sem exigências táticas ou técnicas. No fim, digo a todos, acabam aprendendo a jogar sozinhas e com muita alegria. É como aprender a andar de bicicleta, quando se dão conta, já saem pedalando.


João Crisóstomo. Fiquei muito feliz ao receber teu e-mail tecendo comentários sobre o "Volei vs Volei". É muito gratificante quando pessoas, que além de terem se destacado como atletas de voleibol, tem relevância profissional por terem estudado, escrevem coisas como as que você escreveu. Vou guardar com carinho tua mensagem pois ela representa um depoimento muito importante, onde a prática confirma a teoria dando-lhe consistência. Espero que você já tenha lido outras coisas que escrevi. Sempre que posível mande sugestões. Grande abraço e não desapareça!


A seguir, quer saber "Como programar aulas para crianças em formação"? Envie o seu comentário, troque opiniões e aprendamos juntos.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Lições de um projeto e perspectivas da aprendizagem







Interação e Construção do Conhecimento (parte III)
Como e em que circunstâncias a cooperação e a comunicação levam à construção conjunta de conhecimento e compreensão entre crianças?

Por entendermos que circunstâncias são elas mesmas indeterminadas ou indefinidas, e se associam ao tempo ou ao momento oportuno para estabelecer a maneira correta de agir (Aristóteles), passamos a criá-las no nosso pequeno “laboratório” (Morro do Cantagalo).
Em se tratando de grupo numeroso de aprendizes prefiro tratar este assunto na esfera da interação entre colegas e não propriamente com o professor. O alcance parece ser bem mais significativo, desde que se identifiquem lideranças capazes desse mister. Não é difícil descobri-las ou mesmo encorajá-las. Vejam o exemplo a seguir:
Descrição: exercício com uma biruta (uma adaptação do aparelho capaz de mostrar a direção do vento) e 24 bolas; metade do grupo se exercita e a outra metade auxilia na reposição de bolas. Após algum tempo de prática, troca de funções. O professor dita o ritmo das tarefas.
Tarefas: alunos colocados de um lado da quadra e a biruta do outro; o professor lança as bolas por cima da rede e os alunos (individualmente) lançam-na de toque para dentro da biruta (colocada do mesmo lado do professor). Segundo grupo colabora com presteza e velocidade na reposição das bolas em favor do ritmo dos ensaios.
Considerações: o simples fato de existir um alvo e ter sucesso nos arremessos era motivo suficiente para o regozijo dos alunos. A surpresa ficou por conta do grupo que ajudava na reposição das bolas que invariavelmente se espalhavam pelo ginásio. Com muita alegria dispuseram-se inteligentemente atrás e ao lado da biruta e recolhiam as bolas desperdiçadas; estas eram arremessadas pelo chão a um colega, próximo ao professor. Este, então, municiava os arremessadores. O empenho dos recolhedores de bola foi tamanho que mereceu elogios do mestre que, não desperdiçando a oportunidade, solicitou uma salva de palmas. Ao recomeçar o exercício com a troca de função dos grupos, fez-se um apelo para que tentassem superar os primeiros em “serviço ao próximo”. Nem seria preciso, tamanho o clima de camaradagem que se criou em torno de nossas brincadeiras. Confesso que nunca vi algo igual e lembro-me de ter-me emocionado com uma pequenina lágrima. Naquele breve instante, senti que me tornava amigo de todos. E mais ainda, afortunado por estar ali entre crianças tão espontâneas. Ao terminarmos, reunimo-nos e nos saudamos com uma grande salva de palmas e muitos gritos de alegria pelas brincadeiras. Então, a surpresa maior: “Indagados, avaliaram como melhor coisa a função de recolher as bolas”! Saí dali enriquecido...

Tatear experimental
Através do tatear e da possibilidade de relatar as próprias vivências, as crianças desenvolvem sua autonomia, seu juízo crítico e sua responsabilidade. Para muitos, a escola tradicional é inimiga desse método, permanecendo fechada, contrária à descoberta, ao interesse e ao prazer da criança. Ao final de cada aula resumia o que foi realizado e lhes solicitava a confecção em casa de desenhos ou escritos sobre as atividades.
A aprendizagem por tentativas e erros representa um modo primitivo lento e às vezes ineficaz. Os imperativos sociais e a necessidade de chegar a resultados rápidos levam o educador a adotar uma atitude mais intervencionista, atraindo a atenção do aluno sobre tal ou qual aspecto particular do movimento. Para que este tipo de aprendizagem se torne eficaz: 1) deve-se voltar frequentemente à realização global a fim de que o indivíduo consolide suas aquisições; 2) é necessário partir dos automatismos naturais da criança, cujo desenvolvimento deve continuar global; 3) deve-se chamar a atenção para um só detalhe de cada vez.

Conceito de heurística
Define-se procedimento heurístico como um método de aproximação das soluções dos problemas, que não segue um percurso claro, mas se baseia na intuição e nas circunstâncias a fim de gerar conhecimento novo.

Intuição
Esta experiência transcorreu em outro dia, paralela ao desenvolvimento de uma das aulas, desprovida de qualquer programação prévia. Provavelmente, uma intuição, ou em bom português, deu-me na telha. E vejam quanto ensinamento retirei desta intuição.
Enquanto a aula transcorria normalmente, dediquei-me a três meninas de 4-5 anos de idade que se achavam no local e não inscritas para as atividades; uma delas inclusive portando chupeta na boca. O experimento consistiu em fornecer-lhes 12 bolas de tênis para lançamentos de variadas distâncias contra uma parede. Foram observados mais uma vez os três aspectos pertinentes à “instrução individualizada” assinalados anteriormente. Destaca-se aqui o papel do professor promovendo as interações entre as próprias crianças e os benefícios quando uma é ajudada por outra. (“Dois errados podem fazer um certo”)

1ª fase – Situação inicial: entregue as bolas houve disputa acirrada para conseguir o maior número para si (sentido de posse). Após alguns instantes propusemos nova tarefa: as crianças sentadas no solo em círculo, bolas no centro, cada uma retirava uma bola alternadamente. Ao final, constataram que possuíam o mesmo número de bolas e mostraram satisfação (ou resignação).
2ª fase – Preliminares da tarefa principal: de pé, a 2m-3m da parede, foi-lhes sugerido que arremessassem as bolas e as recuperassem. Aconteceu um tirambaço e profusão de dificuldades: bolas que se perdiam pelo ginásio, busca da bola da companheira, aproximação do alvo e, finalmente, perplexidade, pois não mais encontravam bolas para novos arremessos.
Comentário – Manter a posse das 4 bolas junto ao corpo, tendo a tarefa de arremessá-las constituiu-se no maior obstáculo nessa fase. A capacidade de regular o próprio pensamento e atividade, de reconhecer que a primeira coisa que vem à cabeça nem sempre é a correta, de buscar reformulações, simplificações e estimativas aproximadas da solução provável de um problema, são todas realizações intelectuais que nascem das interações entre novatos e indivíduos mais peritos. Com certeza, precisavam de ajuda. Revela informações importantes para uma avaliação do professor a respeito do intelecto dos alunos.

Método da gradação de ajuda, como ajudar?
O esquema vai da ajuda verbal geral. P. ex.: “Será que não há outro jeito”? Até a demonstração: “Olha o que acontece quando eu faço isto”! (Metáfora do andaime)
Quando se trabalha com crianças pertencentes a grupos de “baixa capacidade” e “terapêuticos”, descobre-se que suas atividades autorreguladores são insatisfatórias. Atribui-se a carência de tais habilidades a duas razões: pouco contato com indivíduos que as utilizam ou precisam de mais experiências que as outras crianças para aprender a executá-las. A autorregulação é atividade particular, invisível e inaudível. Para ajudar as crianças a descobrir como regular a própria atividade de resolução de problemas buscou-se externalizar o processo de autorregulação, como os de fazer perguntas para si mesmo, lembrar-se, procurar novos indícios, tentar ver o problema a partir de outro ângulo. Para tanto, representava-se esse tipo de processo enquanto resolviam-se problemas junto com as crianças. Aquilo que conseguiam realizar com um pouquinho de orientação de um perito era muito superior a seus esforços solitários. (David Wood)

3ª fase – Intervenção do professor: várias intervenções se sucederam a partir deste momento, o que levou as crianças a se autorregularem ao fim do exercício. A primeira foi colocar as bolas no chão, próximo aos pés. Depois, “Que tal tentar outro jeito”?
Outra dificuldade foi recuperar a bola: faziam-no com a ajuda de ambas as mãos e o tronco (abdome). Foi-lhes sugerido, com um mínimo de instrução, segurar uma bola em cada mão e arremessar uma delas. Desenvolveram-se, então, os primeiros ensaios para a apreensão correta com uma das mãos. Os lançamentos tornaram-se mais controlados (força e direção). As duas outras bolas naturalmente foram desprezadas. Assim, permitindo uma sequência razoável aos ensaios e de instrução em instrução (e pouca fala), chegamos aos arremessos com a mão esquerda (“a outra mão”).
Como diria Pavlov, “lancei apenas investigações objetivas, deixando de lado todo o subjetivo”.

domingo, 15 de novembro de 2009

Lições de um projeto e perspectivas da aprendizagem (parte II)

Linguagem
A abertura do curso consistiu num espetáculo marqueteiro voltado para a mídia. Convidados a então governadora do Estado – Benedita da Silva – seu marido e Secretário de Estado, diversas atletas de seleção e campeoníssimas do vôlei de praia, além da direção do CIEP e a totalidade dos alunos daquele turno. Não poderiam esquecer da TV, é claro.
Curiosamente, esta foi a segunda vez que tive contato com um grupo de alunos com os quais eu faria pequenos esquetes de apresentação da metodologia. O primeiro foi na véspera. No grande dia, estando o ginásio repleto, e após alguns discursos, desenvolvi minha parte com os ensaios que julguei pertinente. O auge da apresentação, constituindo-se surpresa geral, foram as brincadeiras produzidas com um paraquedas que reservo como surpresa. Em torno dele cabem muitos indivíduos e todos, sem exceção (inclusive a governadora), foram convidados a brincar. E como se divertiram!
Terminado o evento, fui procurado por uma das diretoras que exclamou: “Estou aqui há 16 anos e conheço bem o meu ofício e nunca vi coisa igual. O Senhor chegou ontem, entretanto parece que as crianças já o conheciam de longa data! Como é possível”? Certamente, referia-se à conduta do professor em relação ao grupo e à linguagem (comunicação) empregada. Senti-me orgulhoso no reconhecimento de meus esforços na busca de uma metodologia inovadora e na conduta que abracei.

Instrução individualizada ou em grupo?
Este é o primeiro dilema que se nos depara. Pode ser também expresso como “que devo ensinar primeiro, a técnica (fundamentos) ou o jogo propriamente dito (tática)”? A experiência me ensina que os indivíduos estão ali para se divertir e brincar. Se lhes proporciono este quesito terei realizado seus desejos. Então, a pouco e pouco, sugiro que lhes seja garantida diversão e instrução, isto é, em cada sessão, exercícios técnicos e jogos. E para que esses exercícios não se tornem enfadonhos e despropositados, que sejam propostos de forma lúdica: ficam preservados ganhos psicológicos e participação mais intensa. Lembro que já presenciei treinos com 18 participantes que realizavam ataques na rede com utilização de uma forca; a cada ação, individualmente recolhiam a própria bola e retornavam à fila, isto é, aguardavam 17 outras intervenções.
O tempo que destinaria ao “aquecimento” prefiro que os alunos brinquem com o objeto do seu desejo, a bola. Se não tiverem intimidade com ela, seu aprendizado estará demasiadamente prejudicado. Se for possível uma bola por indivíduo será o ideal; caso contrário, o professor diligenciará para que cada um tenha o máximo proveito nestes contatos iniciais de malabarismos, lançamentos etc. A seguir, utilizo um estratagema em que, fazendo uma pequena encenação teatral, consigo que a cada proposta de exercício ainda não conhecido, TODOS os alunos se reúnam no centro da quadra. Ali, enuncio e já realizo rápida demonstração com alguns deles, sem a preocupação de detalhes (“linguagem proposta”). Dali retornam aos seus lugares nas miniquadras e, por sua conta, dão início à tarefa. É bem possível que neste momento haja uma dificuldade que deve ser compartilhada pelo grupo para a consecução da tarefa (“discussão e interação”). Para manter o ritmo dos exercícios (dinâmica da aula), uso também recurso bem simples: o grupo que utiliza o campo central será sempre o “demonstrador do dia”; antes de convocar todos ao centro antecipadamente já os instruo para a novel demonstração.
A partir da construção dessa linguagem posso aquilatar o ponto onde o aprendiz está e desenvolver uma psicologia de forma harmoniosa. Estes desafios são superados à medida que proponho novas tarefas. Nesse momento minha observação recai em “como cada grupo está realizando (pensando) sua tarefa”. A partir de agora minha tarefa torna-se mais difícil, pois se trata de saber “como e quando” intervir (“metáfora do andaime”). Um auxiliar poderoso poderá ser um dos próprios alunos do grupo com alguma experiência ou liderança, ou ainda, um pequeno lembrete: “Vejam como o grupo vizinho está fazendo”! Asseguro que as possíveis perdas nesta fase são insignificantes face aos ganhos inequívocos quando à maneira de pensar futura, que passa a integrar a personalidade do indivíduo. Além disso, como o objetivo nesta fase é exatamente “conhecer a linguagem”, convém que o professor administre muito bem a quantidade de ensaios a propor e o respectivo tempo de execução. Por enquanto, esqueça as correções técnicas. Considere que as tarefas não recaíram somente na administração de exercícios, mas também na “conquista” da comunidade, através de serviços voluntários de limpeza e lavagem do ginásio (mutirão) envolvendo os próprios alunos e suas mamães, o convite à participação de monitores, a aceitação de pequeninas crianças para brincadeiras paralelas e a recepção a jovens de outras comunidades.

Reflexão na ação
Creio que até então nunca se encontrou maneira confiável de realizar os objetivos propostos no planejamento de projetos. Todavia, tenho absoluta certeza que se houvesse continuidade neste tipo de trabalho criaríamos a possibilidade de identificar na prática caminhos para o desenvolvimento futuro na educação daquele grupo. Estivemos mostrando como aproveitar em “sala de aula” estes recursos potencialmente valiosos de aprendizagem e ensino, mesmo em condições não muito favoráveis, para as quais procuramos encontrar soluções e nunca nos queixarmos dos problemas. Para espíritos empreendedores as adversidades muitas vezes são desafios a serem transpostos. Naqueles momentos balizamo-nos em alguns princípios, utilizamos nossa intuição e experiência colhendo frutos virtuosos. Todavia, sabemos que temos muito a percorrer até encontrar o melhor procedimento.
Numa época em que muitos desafios e oportunidades novas surgem na educação, graças ao advento de novas tecnologias e subsídios computadorizados à aprendizagem e à instrução, achamos que vale a pena lembrar das dimensões sociais e interativas do crescimento e desenvolvimento humanos que a educação física e os desportos suscitam. Suspeito e concordo que os recursos mais preciosos para uso em “sala de aula” continuarão apresentando-se sob a forma humana.
O desenvolvimento de uma teoria eficaz do “ponto onde o aprendiz está” e a construção de uma “psicologia do assunto” que seja operável representam desafios formidáveis. Quando se está trabalhando com uma classe grande a combinação de ambas as teorias para saber qual o “próximo passo” a dar aparenta ser uma exigência impossível. Neste particular, o professor torna-se um privilegiado em relação ao técnico desportivo.

domingo, 8 de novembro de 2009

Lições de um projeto e perspectivas da aprendizagem


Interação social e comunicação - parte I

Projeto no Morro do Cantagalo
Período: novembro 1999 a janeiro 2000.
Local: Morro do Cantagalo, Rio de Janeiro. O ginásio do CIEP (escola pública municipal) foi equipado com cinco (5) miniquadras e 24 bolas de minivoleibol, podendo comportar confortavelmente até 50 alunos/aula.
Público alvo: crianças (8-9 anos), adolescentes e adultos (até 23 anos) de ambos os sexos, moradores de morros da Zona Sul.

Total de inscritos: 200. Atividade: minivoleibol
Coordenação de todo o trabalho durante 3 meses; 4 x semana; 3 aulas diárias.
Colaboradores: um professor e 2-3 monitores da comunidade.


Planejamento & Atuação
Tema pedagógico: metáfora do andaime
“Quando bem construídos, os andaimes ajudam a criança a aprender a ganhar alturas que elas seriam incapazes de escalar sozinhas”.

Proposta
Formação de liderança na comunidade para continuidade das ações.
a) Convite a moradores da comunidade para o papel de monitores/professores, independentemente de histórico desportivo.
b) Identificados na comunidade quem já praticava o desporto (clube, praia).

Metodologia
a) Instrução em grupo - nível de interação entre as crianças como facilitador do desenvolvimento dos exercícios.; reconhecimento dos benefícios quando o indivíduo é ajudado por outro que tem mais conhecimento e como este último pode ele mesmo beneficiar-se.
b) Instrução individualizada - capacidade de as crianças, enquanto aprendizes serem arquitetas da própria compreensão; capacidade de auto-correção e autoinstrução, individualizando a própria aprendizagem; importância da interação social, da comunicação e da instrução.
c) Criando a interação entre colegas - como e em que circunstâncias a cooperação e a comunicação levam à construção conjunta de conhecimento e compreensão entre crianças? Instrução em grupos; o professor e a capacidade de explorar as interações entre crianças para facilitar a aprendizagem (considere-se que trabalho em grupo pode produzir pouca atividade de aprendizagem dirigida); resolução cooperativa de problemas (exigência de técnicas de “combinação”, seleção de tarefas e incumbências, e administração do trabalho em grupo).

Mapa do território do aprendiz
A perspectiva que adoto solicita a interação, a negociação e a construção conjunta de vivências que habilitem a criança e o adolescente aprenderem a ‘linguagem’ proposta. Isso exige necessariamente, e sempre, um elemento de interdependência e a capacidade de fazer descobertas acidentais. A experiência me diz que certo grau de incerteza, a possibilidade de se deparar com surpresas e a chance de descobrir e resolver novas ambiguidades é o que impulsiona e motiva tanto o ensino quanto a aprendizagem. A única maneira de evitar a formação de concepções errôneas arraigadas é a discussão e a interação, lembrando que “no discurso matemático, uma dificuldade compartilhada pode tornar-se um problema resolvido”.

Pequenos grandes passos: teoria e prática
Vocês acompanharão na parte II dessas "Lições" os momentos em que buscamos soluções para unir a prática à teoria, um caminho que nos pareceu fácil de trilhar e que nos enriqueceu demasiadamente. Penso que a principal dificuldade a superar quando se ministra aula para grandes grupos é a comunicação: O que fazer? Quando fazer? Como fazer?
Optei uma vez mais pelo emprego do “princípio da aprendizagem ativa”.
Na próxima postagem revelarei meu procedimento prático e uma reflexão sobre as ações. E, claro, pequenas surpresas. Aguardem.