terça-feira, 20 de outubro de 2009

Professor ou treinador?


Aulas no Fluminense F. C. (continuação)
No final da década de 70, “convidei-me” para realizar algumas aulas para o Bené, no Fluminense, no ginásio de baixo, como era conhecido o local em que realizava os treinamentos de mirins e infantis. Fronteiriço, uma outra quadra servia aos treinos de basquete. Ao lado, e um pouco mais acima, o antigo ginásio, onde foram realizados os primeiros Jogos Sul-Americanos, em 1951, treinavam os infanto juvenis.
Levo sempre o material pertinente: 4 mini redes, 50 bolas de tênis, bolas (bexigas) plásticas coloridas etc. Inicialmente, o grupo estava composto de 16 crianças que me foram apresentadas e, a seguir, demos início à aula: naquele espaço, somente eu e os jovens atletas. Com o desenvolvimento dos trabalhos, aconteceu algo inédito no clube: inúmeras pessoas se aperceberam de que havia algo diferente naquele local e, curiosos, acorreram para se inteirarem. O treinamento do ginásio principal também foi interrompido por instantes para que todos se certificassem do que ocorria lá embaixo e Bené percorria as instalações próximas para conclamar as pessoas a verem o que ocorria. Não cabia em si de contentamento. De minha parte, muito discretamente e sem muito esforço, simplesmente propunha aos meninos tarefas que se sucediam com intervalos mínimos. Apenas sugeri-lhes que deveriam fazer a algazarra que quisessem. Foi uma grande bagunça, isto é, gritaria e muito divertimento durante todas as demais sessões.
Quando propus jogos nas miniquadras, um outro fato chamou-me a atenção: alguns atletas do ginásio principal– infanto juvenis – desceram e se me apresentaram solicitando participar dos jogos de duplas, no que foram imediatamente atendidos. E até me desafiaram para a competição. Penso ter dado o meu recado e vendido meu peixe!

Um espetáculo imperdível!
Como mencionado, estava convencido de que o Bené precisava de pequena ajuda para ampliar o seu leque metodológico e, consequentemente, seus resultados. Felizmente, não o decepcionei, pois nunca vi Bené tão feliz na vida. E não só ele, uma vez que houve paralização de outros treinamentos para que todos pudessem constatar o que estava ocorrendo. O treinador do basquete, Professor René, que interrompera sua aula, aproximou-se para comentar: “Só podia ser você”! Os pequenos atletas logo esqueceram o estranho que ali se infiltrara e deixaram-se contagiar de alegria contagiante extravasada em sonoros ruídos e gritos. A plasticidade, variedade de material e a sequência correta de exercícios compuseram um espetáculo que em dado momento tendia para teatral e, em outro, circense, tamanha a espontaneidade que aflorava naquelas faces infantis. E mais: com a continuidade, Bené não se conteve e percorria rapidamente outras dependências do clube – o ginásio principal, o bar da piscina – a congregar outros indivíduos para que viessem presenciar o verdadeiro espetáculo de uma aula para crianças. O Fluminense parou por instantes e os juvenis, que treinavam à parte, vieram se juntar à criançada e, também eles queriam participar daquela saudável brincadeira. Foi difícil terminar a aula naquele dia... Ufa!
Alguém me perguntou quantas crianças estavam ali reunidas. Não me recordo, pois às primeiras 16, juntaram-se outras, mais velhas. Mas como já realizei aula para 64 individuos – 9 a 22 anos de idade – num mesmo instante, não encontrei a mais mínima dificuldade.
Lições – Tenho estado consciente de que as discussões sobre as necessidades e problemas das crianças em diversos estágios de desenvolvimento e aprendizagem comportam implicações cuja realização é difícil, senão impossível, dado o estado atual do conhecimento e as circunstâncias que prevalecem em nossas escolas. Por outro lado, quando sabemos algo sobre essas coisas (e ainda há muito a ser descoberto), a colocação dessas experiências favoráveis a serviço de grandes grupos de crianças é uma tarefa que posso dizer de cadeira, formidável. Assim, desenvolver a capacidade de observar e interagir com uma criança afim de descobrir o que ela sabe, pode fazer e compreender é algo que exige tempo, conhecimento e habilidade consideráveis. E imagino que se algum dia for efetivamente professor de um grande grupo estarei apto para reconhecer o potencial de desenvolvimento de cada um de meus alunos. Esta certeza advém da metodologia que recomendo.
Ajuda, quem precisa? – Quando indagava ao Bené para que fizesse uma análise individualizada dos pequenos atletas, dizia-me: “Aquele ali é um espetáculo! O outro, lá, ainda tem muito que aprender, mas vai chegar lá”! Percebia que só destacava os mais eficientes (precisavam de pouca ajuda para se desenvolver). Então, instigava-o: “E aquele lá, que erra a todo instante”? Respondia-me sem pestanejar: “Ele é muito burro, mas a gente dá inteligência para ele”!
Construtivismo – Entre tantas contribuições, destaca-se a capacidade das crianças enquanto aprendizes e arquitetas da própria compreensão. No decorrer do processo educativo, observam-se fenômenos como a capacidade infantil de auto-correção e autoinstrução, que dão credibilidade à concepção das crianças como agentes do próprio desenvolvimento.
Um caso de sucesso - No Colégio Salesianos de Niterói (RJ), foi dada esta prerrogativa aos alunos nos momentos vagos e de recreio. Engendrei a colocação de 13 mini campos de voleibol à sua disposição e eles mesmos organizam as atividades, as regras, direito a jogar, escalonamento de turmas e, inclusive, as próprias competições. Professor não participa!

Um comentário:

  1. São ações e atitudes como essas que fazem realmente a diferença, é a partir dessas práticas que estimulamos a autonomia, autoestima e o desenvolvimento dos educandos, que em sua grande parte são conduzidos à prática, esse exemplo além de ser construtivista é estimulante na questão da organização, responsabilidade e trabalho em equipe valores que precisam ser valorizados principalmente hoje em dia, em um mundo que se mostra tão individualista.

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